28.1.07

Em estado puro

Há dois anos espantou um alfarrabista de rua ao interessar-se por um livro sobre Picasso e ao insistir comigo para que lho comprasse. Hoje, um dia gélido, ao passarmos pela mesma rua, pelo mesmo alfarrabista, este lembrou-lhe a história que não mais esquecera. «Talvez a sensibilidade pura das crianças entenda o essencial daquela forma de ser arte», arrisquei com a minha lógica redonda de adulto. «Não é por isso», respondeu-me, amigável, como quem não quer melindrar o pai, «é só mesmo porque gostei». Chama-se Afonso. Oxalá se conserve assim, em estado puro.

21.1.07

Uma vida que nasce

Há no momento mágico em que uma mãe volta a sê-lo, através da filha que criou, o indizível da Natureza a cumprir-se. Uma só coisa pode exprimir o sentimento de gratidão das almas circunstantes, ante este renovar-se contínuo da nossa vida: um infinitamente amigo silêncio, o nada dizer, por estar tudo dito. Há no momento único em que, atónitos, sobrevivemos no futuro, a magia de um milagre, o inesperado de uma oração. Parabéns às duas, à filha e a sua mãe.