16.11.08

Um roçagar de asas

Adormece-se rápido, tudo se afunda no túnel negro do sono, e o corpo, indefeso, deixa a alma vogar para os antípodas do ser. O homem fica à mercê do que não imagina. E de repente, alagada a fronte de suor, sabor sapídeo na boca, hálito sulfúreo, moída a ossada, regressa-se das profundas do Inferno, da desolação lunar do pesadelo. Esteve-se lá, no território onde o medo se torna raivoso cão, onde o apelo doce a não regressar é prenúncio fatal de comoção. Um roçagar de asas abandona a beira da cama. Acende-se a luz para se ter a certeza de que foi sonho. Ao longe, o chorar de uma criança é o único sinal de pesença. No apartamento ao lado, um casal jovem suspira de entusiasmo. A vida retoma o seu lugar, com promessas de existência.