9.1.06

Arco de Baúlhe


A linha marca o intervalo e a importância. Cheguei num pouca-terra interminável, o vento gelado a entrar por todas as frinchas de uma carruagem de museu, a locomotiva aos sacões. A arrastar-se, qual chiante carroça de bois, o comboio, vagaroso, entrou finalmente na diminuta estação. Um friso de casinhas, caiadas a branco, desfilam-me agora pela janela, uma sucessão de nomes conhecidos: «Senhoras», «Homens», o armazém dos sobressalentes e por fim, edifício principal, gabinete do chefe da estação e, eis, «Arco de Baúlhe», completo enfim o ritual familiar da entrada na gare. Cheguei. Não é, como da outra vez, o correio da noite, comboio fantasma do arranca e pára, viajante nocturno, visitante preguiçoso de todo o lugar ermo e apeadeiro vazio; nem o rápido das cinco, o «foguete» da minha infância, o «Sud Express» da minha juventude, o «Alfa» dos dias de hoje. É assim uma coisa intermédia, o comboio regional que vai dar entrada na linha número três. Desço, comigo apenas uma mala camba e um saco plástico amarfanhado, o resto do improvisado almoço. Meu pai espera-me na estação. «Estás mais magro», diz-me ao ver-me. Sorrio como a dizer que sim. Sem mais uma palavra seguimos calados, um ao lado do outro: não temos mais nada, nem mais ninguém de quem falar. Ele sabe que não tornaremos a ver-nos. «Voltas amanhã?», perguntou, como se o não soubesse, definitivamente.