7.1.06

A beleza comovente


Primeiro, foi o homem que poderia ter sido o seu, a morrer-lhe, antes de que ao menos a ideia se tivesse concretizado. Depois, foram, inevitavelmente, os parentes, os amigos, os conhecidos. Ficou a casa. Com a idade, cada vez menos ágil, restou o quarto, enfim esta cama. À medida que o dinheiro rareava, foram-se indo as criadas. Restava eu, quando tinha tempo e nunca tinha tempo. Não fosse uma vizinha, haveria dias em que nem o almoço lhe chegaria. Encontraram-na um dia, oitenta anos de uma beleza comovente, uns olhos azuis límpidos de paz. Os cães ladravam furiosamente, correndo enlouquecidos, pela quinta. Um ar de tragédia e de morte povoava o lugar. Hoje é um hotel de charme. Indiferentes, esquecidos, tudo esquece, há quem se ame nesta cama, nesta mesma cama.